quarta-feira, agosto 29, 2012

Silêncio

O que é silêncio?

Um punhado de nada
que nos agarra com tudo,
...um vazio que nos completa,
um amor que nos ressuscita?

Ou será apenas uma linha do tempo
onde nos deitamos e deixamos ir,
uma corrente de ar que nos suga
ou uma gota de água que não molha?



Fonte: Aldeias de Portugal, Foto: Blueiceangel, Frase: Paulo Costa

terça-feira, agosto 07, 2012

A verdade é que fomos

A verdade é que fomos
feitos do mesmo sangue
violento e humilde

A verdade é que temos
ambos a graça de compreender
todos os homens e todas as estrelas

A verdade é que Deus
nos ensinou
que este é o tempo da razão ardente.

Deus hoje deu-me um pouco
do que toda a vida lhe pedi
foi esta calma e simples aceitação
de que é preciso que estejas
longe de mim
para que amando eu possa conservar
o meu coração puro.

As ruas hoje pareciam mais largas
e mais claras

As casas e as pessoas
pareciam diferentes

Foi só o tempo de pedir a Deus
que prolongasse o generoso engano.

Tu ensinaste-me as palavras simples
as palavras belas
as palavras justas
E fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.
O amor substitui
o Sol — que tudo ilumina.


Sonhar contigo é quase como
saber que existo para além de mim.

Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me amor a paz
com que o meu coração de há tanto tempo sonha
Vês como é tão simples
ter o coração
tão perto da terra
e os olhos nos olhos
e a alma tão perto
da tua alma

Por que será
que quanto mais repartimos
o coração
maior e mais nosso ele fica?

Raúl de Carvalho, in “Obras de Raul de Carvalho”

segunda-feira, agosto 06, 2012

Together :D

Cativar :D



“- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho - Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou…
...
- Não - disse o principezinho – Ando à procura de amigos. «Cativar» quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. – Quer dizer «criar laços»...
- Criar laços?
- Sim, laços - disse a raposa. – Ora vê: por enquanto tu não és ainda para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti...
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas parecidas umas com as outras e os homens são todos parecidos uns com os outros. Por isso, às vezes, aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música.
- Se fazes favor... Cativa-me! – acabou finalmente por pedir.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho -, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer…
- Só conhecemos o que cativamos - disse a raposa. - Os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- E tenho de fazer o quê? - disse o principezinho.
- Tens de ter muita paciência.
- Anda, vai ver as rosas outra vez. Vais entender que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada. – disse-lhes ele. - Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como a minha raposa era, uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e ela passou a ser única no mundo.
E as rosas ficaram bastante arreliadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias – insistiu o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que para um transeunte qualquer a minha rosa é igual a vocês. Mas, sozinha, é muito mais importante do que vocês todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com um biombo. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
...
- Adeus – despediu-se a raposa. – Agora vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
...
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já não se lembram desta verdade - disse a raposa. Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.”
O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry